O governo português anunciou nesta terça-feira (8), em uma coletiva de imprensa realizada no Palácio de São Bento, a implementação de um plano de ação para a comunicação social, que inclui a retirada progressiva da publicidade da RTP, a emissora pública de televisão e rádio. A medida faz parte de um conjunto de iniciativas que visam reestruturar o financiamento e o modelo de funcionamento da empresa pública, além de promover maior equilíbrio no setor de comunicação social no país.
Fim da Publicidade na RTP: Um Processo Gradual
O Ministro da Cultura, responsável pela tutela da comunicação social, afirmou que a retirada da publicidade da RTP será feita de forma gradual, ao longo dos próximos três anos, e que o processo envolverá uma análise detalhada dos impactos económicos e sociais. “Estamos a construir um modelo de financiamento alternativo para a RTP, que permita à emissora cumprir a sua missão de serviço público, sem depender das receitas comerciais de publicidade”, afirmou o ministro.
O governo sublinha que a retirada de publicidade será acompanhada de novas fontes de receita, como o reforço da contribuição audiovisual — o imposto cobrado nas faturas de eletricidade, destinado ao financiamento da emissora pública. Atualmente, esse imposto representa uma fatia significativa do orçamento da RTP, mas não é suficiente para cobrir todas as despesas da empresa. Segundo fontes do Ministério da Cultura, o aumento dessa contribuição será moderado, evitando uma sobrecarga para os consumidores.
Impacto no Mercado Publicitário
A decisão de retirar a publicidade da RTP é uma resposta às pressões que vinham sendo exercidas por diversos grupos de comunicação privados, que alegam concorrência desleal. Esses grupos, que incluem empresas como a Media Capital e a Impresa, que operam canais como a TVI e a SIC, há muito defendem que a RTP, ao competir por receitas publicitárias, prejudica o setor privado.
Estudos realizados pelo setor indicam que a RTP captava, anualmente, cerca de 10% do total de receitas publicitárias televisivas, um montante que poderá ser redirecionado para os operadores privados após a implementação total da medida. No entanto, especialistas alertam que a redistribuição dessas receitas não será automática, já que a RTP continuará a ser um ator relevante no mercado, mesmo sem publicidade.
“Não podemos presumir que a retirada da publicidade da RTP resultará numa migração direta dessas receitas para os canais privados. Existem muitas variáveis em jogo, como as mudanças nos hábitos de consumo e a crescente competição das plataformas de streaming”, afirmou um analista do mercado de media.
Reações Mistas no Setor de Comunicação
A medida, embora esperada por alguns, gerou reações mistas no setor. A Associação Portuguesa de Radiodifusão e Televisão (APRITEL) manifestou apoio à decisão, destacando que a mesma contribuirá para uma maior equidade no mercado publicitário. “Esta é uma medida que, há muito, defendemos como necessária para o equilíbrio do setor. Esperamos que esta decisão traga benefícios para toda a comunicação social privada, que atravessa um momento de grandes desafios”, declarou o porta-voz da associação.
Por outro lado, há vozes críticas dentro da própria RTP e de setores ligados à defesa do serviço público de media. O Sindicato dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisual (STTAV) expressou preocupação com o impacto que a perda de receitas publicitárias pode ter na produção de conteúdos. “A RTP desempenha um papel crucial na produção de conteúdos culturais, educativos e informativos de qualidade. A redução das suas fontes de receita pode comprometer a sua capacidade de continuar a oferecer uma programação diversificada e de qualidade”, afirmou o presidente do sindicato.
O governo, no entanto, assegura que a missão de serviço público da RTP será preservada e até reforçada. O ministro destacou que a emissora terá maior liberdade para se concentrar em conteúdos de interesse público, sem as pressões comerciais decorrentes da dependência de publicidade. “Com este novo modelo, a RTP poderá voltar a ser uma referência no que toca à produção de conteúdos de valor cultural e social, sem estar sujeita às dinâmicas do mercado publicitário”, explicou.
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Plano Mais Amplo de Apoio à Comunicação Social
A retirada da publicidade da RTP é apenas uma parte de um plano mais amplo para o setor da comunicação social. O governo anunciou ainda um pacote de apoio às empresas de media privadas, que inclui incentivos fiscais e subsídios à produção de conteúdos noticiosos e culturais. A iniciativa faz parte de uma estratégia para reforçar a pluralidade de vozes no espaço mediático português e combater a concentração de poder nas mãos de poucos grupos empresariais.
“É fundamental garantir que o setor de comunicação social em Portugal continue a ser diversificado e plural. O apoio às empresas privadas e a criação de mecanismos de regulação mais eficazes são passos essenciais para garantir que o público tenha acesso a uma oferta informativa rica e variada”, disse o ministro.
Desafios do Setor de Media em Portugal
O setor de comunicação social em Portugal enfrenta vários desafios nos últimos anos, incluindo a queda nas receitas publicitárias, a migração dos consumidores para plataformas digitais e a crescente concorrência internacional. A pandemia da COVID-19 exacerbou esses problemas, com muitos grupos de media a enfrentar dificuldades financeiras e a implementar cortes significativos nas redações.
A transição para um modelo digital e a perda de leitores e espectadores nas plataformas tradicionais, como jornais impressos e televisão linear, são questões que o governo pretende endereçar com este novo plano de ação. “Estamos a trabalhar em conjunto com os operadores de media para encontrar soluções que garantam a sustentabilidade do setor a longo prazo”, afirmou o Ministro da Cultura.
No entanto, especialistas alertam que as medidas anunciadas poderão não ser suficientes para resolver todos os problemas do setor. “O financiamento público é importante, mas a verdadeira questão é como adaptar os modelos de negócio das empresas de comunicação social às novas realidades do mercado digital”, explicou um analista de media.