O Tribunal de Contas (TdC) divulgou recentemente um relatório que aponta falhas significativas no Planeamento da Ferrovia 2020, uma das iniciativas mais ambiciosas do Governo para a modernização das infraestruturas ferroviárias em Portugal. De acordo com o relatório, o planeamento inicial do programa não levou em consideração de forma adequada a capacidade de resposta do setor, resultando em atrasos, sobrecargas orçamentais e problemas na execução dos projetos.
Avaliação do Tribunal de Contas
O programa Ferrovia 2020, que tem como objetivo modernizar e expandir a rede ferroviária nacional, com um orçamento inicial de 2 mil milhões de euros, foi criticado pelo TdC devido à forma como foi estruturado e implementado. O relatório aponta que o calendário original de execução das obras era demasiado ambicioso e não estava alinhado com a realidade dos recursos disponíveis, tanto em termos de mão de obra como de equipamentos e tecnologias necessárias para a realização dos projetos.
De acordo com o TdC, “os prazos definidos para a execução de várias das obras previstas no programa não eram realistas face à capacidade de resposta das entidades envolvidas, resultando em sucessivos adiamentos e ajustes orçamentais”. O Tribunal sublinha ainda que a falta de uma estratégia de coordenação eficaz entre os diferentes intervenientes contribuiu para a acumulação de atrasos em várias frentes.
Principais Atrasos e Dificuldades
Entre os principais projetos afetados pelo mau planeamento inicial estão a modernização da Linha do Norte, a eletrificação da Linha do Oeste e a construção de novos troços na Linha de Évora. Estas obras, consideradas estratégicas para a melhoria da mobilidade e para a promoção do transporte ferroviário como uma alternativa sustentável ao transporte rodoviário, registaram atrasos consideráveis, que, em alguns casos, ultrapassam dois anos face ao calendário inicial.
A falta de coordenação entre os diferentes empreiteiros, a escassez de mão de obra especializada e as dificuldades na aquisição de equipamentos técnicos específicos foram alguns dos fatores apontados pelo relatório. Adicionalmente, o Tribunal de Contas observou que, em certos casos, os projetos não foram devidamente alinhados com as necessidades reais das populações e do setor industrial, o que gerou críticas por parte de autarquias e empresas.
O impacto destes atrasos reflete-se não só nos custos acrescidos, mas também na frustração dos utilizadores da rede ferroviária. A modernização prometida, que visava melhorar a qualidade dos serviços e aumentar a competitividade do transporte ferroviário, continua a ser uma realidade distante em muitas regiões do país.
Sobrecustos e Reajustes Orçamentais
Outro ponto crítico levantado pelo TdC é o aumento dos custos em várias das obras incluídas no programa Ferrovia 2020. O relatório indica que a maior parte dos projetos sofreu um aumento significativo em relação ao orçamento inicial, em parte devido à necessidade de reestruturar os contratos com os empreiteiros, em consequência dos atrasos.
O Tribunal de Contas alerta para o risco de os sobrecustos ultrapassarem a margem prevista nos fundos comunitários, comprometendo a capacidade de financiamento de futuras fases do programa. “O aumento dos custos tem sido particularmente significativo em obras de grande dimensão, como a modernização da Linha do Norte, onde os ajustes orçamentais já ultrapassaram os 15% do valor inicialmente contratado”, refere o relatório.
Em resposta, o Ministério das Infraestruturas reconheceu que houve dificuldades na implementação do Ferrovia 2020, mas destacou que medidas corretivas já estão em curso para mitigar os atrasos e controlar os sobrecustos. Entre as soluções apresentadas pelo governo estão a contratação de novos empreiteiros e o reforço das equipas de fiscalização, de forma a acelerar o ritmo das obras.
Reações Políticas e Empresariais
A publicação do relatório do Tribunal de Contas suscitou reações imediatas tanto na arena política como entre as associações empresariais. O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português criticaram o que consideram ser uma “má gestão” por parte do Governo, acusando-o de não ter planeado adequadamente um programa que é essencial para a mobilidade sustentável e para o desenvolvimento regional. A oposição exige agora que o Ministério das Infraestruturas preste esclarecimentos detalhados sobre o que correu mal e que medidas concretas estão a ser tomadas para corrigir a situação.
Por sua vez, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) expressou preocupação com os atrasos nas obras, sublinhando que a modernização da ferrovia é crucial para o setor exportador e para a redução dos custos logísticos. “A Ferrovia 2020 é um pilar estratégico para o futuro da economia nacional, e os sucessivos adiamentos estão a comprometer a competitividade das empresas, especialmente nas regiões onde o transporte ferroviário representa a melhor alternativa ao transporte rodoviário”, afirmou António Saraiva, presidente da CIP.
Impacto nas Populações Locais
Os atrasos na implementação do programa Ferrovia 2020 também estão a afetar diretamente as populações locais. Em várias zonas do país, a modernização das infraestruturas ferroviárias foi apresentada como uma solução para os problemas de mobilidade e para a melhoria da ligação com os grandes centros urbanos. No entanto, com os sucessivos adiamentos, muitos cidadãos continuam a depender de meios de transporte menos eficientes e mais caros, como o automóvel particular.
Em particular, a eletrificação da Linha do Oeste, que deveria estar concluída em 2021, é um dos exemplos mais frustrantes para as populações locais. Os autarcas de municípios como Torres Vedras e Caldas da Rainha têm vindo a pressionar o Governo para acelerar o ritmo das obras, que são vistas como fundamentais para o desenvolvimento económico e social da região.